Cantiga de Nossa Senhora de Castro Marim
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Cantiga de Nossa Senhora de Castro Marim


Nossa Senhora dos Mártires, Castro Marim
Nossa Senhora dos Mártires, Castro Marim
Esta cantiga refere-se ao surgimento da devoção a Nossa Senhora de Castro Marim (Algarve, século XII), especial protetora dos portugueses cativos dos mouros.

Captivo de um pêrro moiro
Em terras de moiraria
Debaixo de duros ferros,
Um pobre cristão vivia.

Negro pão e água turva
Só lhe davam por medida
De manhã até à tarde
A um moinho moia;
E à noite o perro infiel,
Com medo que lhe fugisse,
N’um caixão grande o fechava,
Muito forte em demasia.

Depois, em cima deitado,
Em tom de mofa dizia,
Como quem Deus não conhece,
Esta horrível heresia:
- Livre-se d’aqui agora
A tua Virgem Maria!



Chorava o pobre cristão,
Mas seus males não carpia.
A blasfêmia que escutava
Era o que só lhe doía.
Todo em lágrimas banhado,
Desta maneira dizia:
– Senhora! Que não castigas
Matriz de Nossa Senhora dos Mártires, Castro Marim
Matriz de Nossa Senhora dos Mártires, Castro Marim
Esta grande aleivosia?!

Se ele bem A invocava
Melhor a Senhora o ouvia.

Uma noite à meia noite,
O caixão que se movia!
Sem que ninguém lhe tocasse,
Ao mar direito corria!
O moiro, no melhor sono
Em cima d’ele dormia.
Adeus, terra de moirama!
A terra ao largo fugia...

Assim três noites vogaram,
Três noites e mais dois dias!
O moiro, como encantado,
Do sono não se bulia.

Já desponta a manhã clara,
Manhã do terceiro dia!
Novas areias se mostram,
Novos céus, nova alegria!

Já perto se ouve roncar
O mar pela penedia.
O ladrar de muitos cães
Por toda a costa se ouvia.
Da torre o galo três vezes
Este milagre anuncia!
Os sinos do campanário
Repicavam à porfia,
Sem que ninguém os tangesse,
Castro Marim
Castro Marim
Porque tudo inda dormia.

Com os sinos acorda o moiro, Sem atinar com o que via.
Já muito contrito e humilhado
Para o captivo dizia:
– Cristão, que terra é esta
De tão alta senhoria?
Na tua terra, cristão,
Cantam galos à porfia,
Tocam sinos, ladram cães,
Logo ao despertar do dia?
– Esta terra sei que é minha,
Mas eu não a conhecia...
 Na minha terra, senhor,
Cantam cães, repicam sinos,
Logo ao despontar do dia...
– Ergue-se, cristão, perdoa-me
Todo o mal que eu te fazia:
Ontem eras meu escravo
Teu servo seu n’este dia.

Já todos vão, já se partem,
Caminho da santa ermida;
O moiro, por Deus tocado,
D’esta maneira dizia:
– Oh Mãe de Deus poderosa,
Piedosa Virgem Maria,
Perdoa-me os meus pecados
Que eu cristão me tornaria!

Brasão da Vila de Castro Marim
Brasão da Vila de Castro Marim
Para ver este milagre
Toda a gente ali corria;
Com seus gibões encarnados
Os da justiça assistiam.
Eis que aos pés da Virgem Santa
D’água uma fonte se abria;
Tão cristalina e tão pura;
Que linda que ela corria!
Com esta água bendita
Água de tanta valia,
Foi logo ali batizado
O moiro da Babaria.

E para maior milagre,
Ao cabo de sete dias
Mesmo no meio das águas
Um verde freixo nascia
Tão copadinho e tão verde,
Oh que bem que parecia!

Desde então ficou a Virgem
Tendo grande romaria;
De Portugal e Castela
Todos, ali, corre em seu dia.

(Fonte: Alberto Pimentel, “História do Culto de Nossa Senhora em Portugal”)






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